quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Poligamia da Solidão - Parte 1


Essa mulher é um mundo! – uma cadela
Talvez... – mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Vinicius de Morais

      Pobre de mim que tanto almejei conhecer a natureza dos sentimentos humanos. Sempre achei que a minha mania de criança, a mania de entender as almas desgarradas, fosse inerente a todo ser dito “humano”. Engano meu. Deixa-me abismado perceber como são defeituosas as sensibilidades alheias: apenas se deixam levar pelo o que costumam chamar de “escrituras do destino”, esquecendo, quase que por completo, a existência de seu poder de escolha, seu poder de vontade, o poder de tornar algo representativo. O poder de dar vida a tudo que nos cerca, inanimado ou não...     
"prazer ilusório da liberdade ébria"
        De minha vontade, extrai a representação de salvação em uma inanimada taça de vinho, contudo esta salvação já tinha decido por dentre meu corpo tantas vezes durante aquela noite, que minha mente já tinha alcançado o prazer ilusório da liberdade ébria. Quantas taças? Quantas garrafas? Quantas visões opacas possuíram-me na escuridão da madrugada? Não sei dizer ao certo, mas neste dia dei-me o direito de ficar triste por opção, e não por imposição divina – se é que ela existe. O calvário daquele dia era unicamente meu, estava cansado de fugir de minha essência, ou seja, a de possuir várias mulheres, mas sempre ciente de recolher-me à minha solidão. E levantando a última taça de vinho, colocando-a contra a inexpressiva luz do abajur de minha pequena cômoda, eu pude ver aquela cor rocha tornar-se levemente dourada, juntamente ao aumento do brilho cristalino, que me fazia navegar na ampla opacidade do restrito espaço de meu quarto de pensão. Acendi um cigarro. Cada trago intensificava minha felicidade ébria de liberdade solitária – eu tinha vários amores, mas não tinha encanto por nenhum deles. A figura de Augusto dos Anjos estava constante em minha mente, pois a cada beijo que dava, sabia que de mim, viria em seguida um escarro. 
"não era um objeto, pois tinha por ela uma forte amizade" 
         Vale ressaltar que tudo isto: a entrega à embriaguez e as reflexões a qual esta me proporcionou, tinham ocorrido minutos após a saída de uma prostituta que me atendia de graça, não só por ser minha vizinha de quarto, mas também por ter por mim “uma feição quase que de mãe”, dizia ela de forma doce e vulgar. Pra mim, sexualmente, ela era só mais um amor, dado que nunca tinha sentido por ela nenhum tipo de encanto, contudo não era um objeto, pois tinha por ela uma forte amizade – um dos amores mais profundos que a vida pode oferecer. Foi por sob o peso de toda esta tensão existencial que, tragando o meu cigarro, vi pela janela passar uma bela moça morena, de cabelos ondulados, “Quem sabe poça ser digna de um escarro e de uma grande amizade?”. 
"me entreguei de peito aberto"
            Pobre de mim... O destino reservou-me um susto no dia seguinte: a mesma moça que tinha visto durante a bacante liberdade de minha madrugada, sentou-se ao meu lado, na sala de espera do consultório de psicologia o qual eu fazia regularmente minha terapia, ou seja, talvez nós compartilhássemos o mesmo divã. E eu estava certo! Não foi difícil chamar sua atenção para uma conversa. E assim, de sessões e sessões de terapias, fomos conhecendo um ao outro; e por mais que eu tentasse esconder quem eu era, nossas semelhanças faziam com que minha mascara ficasse cada dia mais disforme e minha verdadeira face mais nítida, juntamente a um encanto que me amedrontava, visto que temia uma possível paixão. “Então as ‘escrituras do destino’ de fato existem?!”, pensava eu com os meus botões, “então por onde andará o meu poder de escolha?!”, já não existia mais; e me entreguei de peito aberto à dúvida se minha vida era um ‘destino’ ou um surpreendente ‘acaso’, dois fenômenos estritamente opostos: um determina a vida o outro a relativiza. 
"Ela é um caos!"
          Portanto, não é à toa que a primeira pergunta que me veio em mente quando me deparei com a beleza dos olhos semicerrados de C... foi: “Será o ‘destino’ ou o ‘acaso’ que esta me proporcionando tamanho encanto diante desta sedutora pele morena, e deste embriagante olhar de mistério?”, mas logo percebi que esta era uma pergunta inútil..., tão inútil quanto questionar “o que é o amor”, uma vez que o poder sedutor desta mulher não advinha do amor, da paixão, do destino, tão pouco do acaso, pois “Essa mulher é um mundo!”, com certeza diria Vinicius de Morais, assim, ao estar diante daquele lindo semblante, pensei: “Ela é um caos!”, um paradoxo de contradições existencialistas que transmite, a quem a deseja, não só um aspecto inocente, como também a feição de um poderoso convite à luxúria. Era impossível conseguir englobar toda a fenomenologia de sentimentos que esta mulher possuía e despertava.
          Logo, sendo ela um caos, era impossível classificá-la em um possível modelo arquetípico de mulher. Apesar de nossas semelhanças, eu estava diante do novo, do desconhecido e em volto num constante despertar de convite à luxúria sem escarro. Mas como poderia conquistar aquilo que desconheço por completo? Sentia-me como uma criança no escuro que por estar diante de um espaço que pode ser experimentado, hesita por não saber ao certo o que poderá encontrar, todavia, com a luz este espaço lhe é totalmente seguro e conhecido, ou seja, a luz tolhe o caos, mas tira o sabor da conquista. Portanto, sabia que muito tinha a ser revelado, porém, sem luz, era necessário beber direto da fonte do caos, era necessário recolher-me à mera posição de ouvinte e ao mesmo tempo contemplar sua beleza enquanto seus sedutores lábios se moviam entoando uma voz suave como uma canção.
Continua... 

Todas as ilustrações são de autoria do pintor expressionista Edvard Munch.

2 comentários:

  1. Profundo o texto. Merece continuação e futuramente ser transformado em livro!

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  2. Bem, Daniel, o teu texto me trouxe reminiscencias de vários outros. Dentre eles a tabacaria de Pessoa. Acho que o teu explorar da solidão como um tempo antes da ação é algo bom e louvável. O grande problema é que em teu texto as influencias estão gritantes. A semelhança com autores ou citações ou leituras não estão sutis, metaforizadas. Há muita transposição textual, o que denota erudição, que é louvável, mas ao mesmo tempo tira o toque pessoal. Escreves bem, mas falta a tua ironia e o teu sarcasmo, que foi negligenciado pela dramaticidade das cenas. É algo que é Dostoievski e não Daniel. O conflito de pensamentos foi feito liricamente, mas não é Daniel. É um belo texto, uma bela estória, mas eu quero um toque seu de fato.

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