terça-feira, 7 de janeiro de 2014

As Cortinas se Abrem ao Peregrino

A Juventude de Baco, de William Bouguereau (1884).
A Dionísio
O homem é a migalha do Universo
Que ousou escrever no caos da vida
– Tanto em prosa quanto em verso –
O texto duma peça incompreendida.

E por mais que nela esteja imerso,
Pois sua criação já lhe é conhecida,
O roteiro sempre é muito perverso:
 – Antes do texto a cena já foi vivida.

Por isso, não adianta ser esperto
Pois na imensidão de tanta ousadia
Neste tablado o aplauso é incerto.

Assim, corremos à ribalta da alegria
– Sentindo o público bem de perto –
Desta peça de um palco sem coxia.

07/01/2013

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A Incrível Confeitaria do Sr. Pellica


O Grupo de Iniciação Teatral do Cênicas Cia de Repertório irá apresentar no 11° Festival Estudantil de Teatro e Dança, a peça "A Incrível Confeitaria do Sr. Pellica". Uma comédia divertida, de humor rápido e inteligente, cheia de reviravoltas, onde os personagens são arquétipos de uma sociedade burguesa decadente. A trama se passa em uma confeitaria de um reino fictício do século XVIII, o proprietário, Pellica, sua família, seus criados e amigos passam dificuldades e pensam numa maneira de salvar seu negócio. Acreditando que a salvação virá de um enviado de São Judas, Pellica se depara com Sterne, fugitivo do exército, vestido de soldado, mas que diz ser padre, então, Pellica supõe que ele seja o seu salvador. O Conde Bellone, credor das dívidas da confeitaria, propõe casamento a Isabela, filha de Pellica, como forma de pagamento das dívidas, e anuncia um grande concurso de tortas. Pellica deposita suas esperanças neste concurso, o qual nos levará a um final surpreendente.


Elenco: 
Bárbara Brendel, Dani Medeiros, Daniel Gomes,
Diego Nascimento, Gugga Siqueira, Jandson Miranda, Lídia Lins,
Pollyanna Cabral, Raul Elvis, Rogério Wanderley e Tarcísio Vieira.


A INCRÍVEL CONFEITARIA DO SR. PELLICA
(Texto: Pedro Brício, Direção: Antônio Rodrigues)
TEATRO APOLO
DIA: 28 DE AGOSTO DE 2013
HORA: 19H30
INGRESSO: R$ 6,00 (VALOR ÚNICO)

PROGRAMAÇÃO COMPLETA DO FESTIVAL: http://festivalestudantil.blogspot.com.br/


terça-feira, 2 de abril de 2013

Não! (ou "a um Peregrino a busca é o que importa")

Pintura "O Soneto", de William Mulready,
pintor contemporâneo do Romantismo inglês.


        Mais que uma simples negação
        Que rompe qualquer intento
        De ser feito um laço de emoção
       Ou uma troca de sentimento

        Ao ouvinte desperta inquietação
        Impelindo-o ao questionamento
        De na entrelinha da palavra “não”
        Descobrir, em algum momento,

        Qual a verdadeira dimensão
        Desta palavra em teu pensamento.
        Porém a dúvida é o norte da ação

        E, por isso, dela me contento
         Pois, se nenhuma resposta se revela,
        Buscá-la torna a vida mais bela!
                                                                                                    31/03/2013

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Poligamia da Solidão - Parte 1


Essa mulher é um mundo! – uma cadela
Talvez... – mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Vinicius de Morais

      Pobre de mim que tanto almejei conhecer a natureza dos sentimentos humanos. Sempre achei que a minha mania de criança, a mania de entender as almas desgarradas, fosse inerente a todo ser dito “humano”. Engano meu. Deixa-me abismado perceber como são defeituosas as sensibilidades alheias: apenas se deixam levar pelo o que costumam chamar de “escrituras do destino”, esquecendo, quase que por completo, a existência de seu poder de escolha, seu poder de vontade, o poder de tornar algo representativo. O poder de dar vida a tudo que nos cerca, inanimado ou não...     
"prazer ilusório da liberdade ébria"
        De minha vontade, extrai a representação de salvação em uma inanimada taça de vinho, contudo esta salvação já tinha decido por dentre meu corpo tantas vezes durante aquela noite, que minha mente já tinha alcançado o prazer ilusório da liberdade ébria. Quantas taças? Quantas garrafas? Quantas visões opacas possuíram-me na escuridão da madrugada? Não sei dizer ao certo, mas neste dia dei-me o direito de ficar triste por opção, e não por imposição divina – se é que ela existe. O calvário daquele dia era unicamente meu, estava cansado de fugir de minha essência, ou seja, a de possuir várias mulheres, mas sempre ciente de recolher-me à minha solidão. E levantando a última taça de vinho, colocando-a contra a inexpressiva luz do abajur de minha pequena cômoda, eu pude ver aquela cor rocha tornar-se levemente dourada, juntamente ao aumento do brilho cristalino, que me fazia navegar na ampla opacidade do restrito espaço de meu quarto de pensão. Acendi um cigarro. Cada trago intensificava minha felicidade ébria de liberdade solitária – eu tinha vários amores, mas não tinha encanto por nenhum deles. A figura de Augusto dos Anjos estava constante em minha mente, pois a cada beijo que dava, sabia que de mim, viria em seguida um escarro. 
"não era um objeto, pois tinha por ela uma forte amizade" 
         Vale ressaltar que tudo isto: a entrega à embriaguez e as reflexões a qual esta me proporcionou, tinham ocorrido minutos após a saída de uma prostituta que me atendia de graça, não só por ser minha vizinha de quarto, mas também por ter por mim “uma feição quase que de mãe”, dizia ela de forma doce e vulgar. Pra mim, sexualmente, ela era só mais um amor, dado que nunca tinha sentido por ela nenhum tipo de encanto, contudo não era um objeto, pois tinha por ela uma forte amizade – um dos amores mais profundos que a vida pode oferecer. Foi por sob o peso de toda esta tensão existencial que, tragando o meu cigarro, vi pela janela passar uma bela moça morena, de cabelos ondulados, “Quem sabe poça ser digna de um escarro e de uma grande amizade?”. 
"me entreguei de peito aberto"
            Pobre de mim... O destino reservou-me um susto no dia seguinte: a mesma moça que tinha visto durante a bacante liberdade de minha madrugada, sentou-se ao meu lado, na sala de espera do consultório de psicologia o qual eu fazia regularmente minha terapia, ou seja, talvez nós compartilhássemos o mesmo divã. E eu estava certo! Não foi difícil chamar sua atenção para uma conversa. E assim, de sessões e sessões de terapias, fomos conhecendo um ao outro; e por mais que eu tentasse esconder quem eu era, nossas semelhanças faziam com que minha mascara ficasse cada dia mais disforme e minha verdadeira face mais nítida, juntamente a um encanto que me amedrontava, visto que temia uma possível paixão. “Então as ‘escrituras do destino’ de fato existem?!”, pensava eu com os meus botões, “então por onde andará o meu poder de escolha?!”, já não existia mais; e me entreguei de peito aberto à dúvida se minha vida era um ‘destino’ ou um surpreendente ‘acaso’, dois fenômenos estritamente opostos: um determina a vida o outro a relativiza. 
"Ela é um caos!"
          Portanto, não é à toa que a primeira pergunta que me veio em mente quando me deparei com a beleza dos olhos semicerrados de C... foi: “Será o ‘destino’ ou o ‘acaso’ que esta me proporcionando tamanho encanto diante desta sedutora pele morena, e deste embriagante olhar de mistério?”, mas logo percebi que esta era uma pergunta inútil..., tão inútil quanto questionar “o que é o amor”, uma vez que o poder sedutor desta mulher não advinha do amor, da paixão, do destino, tão pouco do acaso, pois “Essa mulher é um mundo!”, com certeza diria Vinicius de Morais, assim, ao estar diante daquele lindo semblante, pensei: “Ela é um caos!”, um paradoxo de contradições existencialistas que transmite, a quem a deseja, não só um aspecto inocente, como também a feição de um poderoso convite à luxúria. Era impossível conseguir englobar toda a fenomenologia de sentimentos que esta mulher possuía e despertava.
          Logo, sendo ela um caos, era impossível classificá-la em um possível modelo arquetípico de mulher. Apesar de nossas semelhanças, eu estava diante do novo, do desconhecido e em volto num constante despertar de convite à luxúria sem escarro. Mas como poderia conquistar aquilo que desconheço por completo? Sentia-me como uma criança no escuro que por estar diante de um espaço que pode ser experimentado, hesita por não saber ao certo o que poderá encontrar, todavia, com a luz este espaço lhe é totalmente seguro e conhecido, ou seja, a luz tolhe o caos, mas tira o sabor da conquista. Portanto, sabia que muito tinha a ser revelado, porém, sem luz, era necessário beber direto da fonte do caos, era necessário recolher-me à mera posição de ouvinte e ao mesmo tempo contemplar sua beleza enquanto seus sedutores lábios se moviam entoando uma voz suave como uma canção.
Continua... 

Todas as ilustrações são de autoria do pintor expressionista Edvard Munch.

domingo, 20 de novembro de 2011

Pensamento de Um Peregrino Herege


Poema classificado no concurso Poetize  2012.
Edvard Munch, pintor norueguês precursor do expressionismo alemão.

            Das veredas tenebrosas de uma vida dolorosa,
            Busquei fugir e negar aquilo que nos conduz
            Ao ápice do calvário que nos engana e seduz,
            E enevoa a visão penosa da vida amorosa.

            A paixão sedutora me conduziu a uma cruz,
           Que de tanto negá-la de forma muito vaidosa,
           Entreguei-me as suas imposições gloriosas
           Que lentamente nos feri e mais tristeza produz.

           Mas mesmo tendo da paixão esta visão penosa,
           O erotismo de teu corpo seduziu-me a tal altura
           De aos teus caprichos atender de forma ansiosa.

           E deste Peregrino que do amor nada atura,
           Hoje posso dizer, após as blasfemias pavorosas:
           Quem blasfema o amor é quem mais o procura.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Os Raios de Sol no Caminho de Um Peregrino

Joseph Mallord William Turner, pintor romântico londrino,
considerado por alguns como um dos precursores do Impressionismo.

       Um Peregrino fiel não finca mastro
       Numa única urbe e faz da vida alada
       Um pequeno mar dentro dum castro,
       Ou uma caravela de alma naufragada.

       Quem és tu que como um astro
       Solar ilumina a beleza da estrada
       Mas turva de meus olhos o rastro
       Que leva à minha caravela amada?!

       Quem és tu que não deixa ir avante
       Um Peregrino que não teme temporal
       Nem dilúvio e sempre vai adiante?!

       Tua luz solar, bem sei, é um vendaval,
       Que agita o mar e traz o amor pedante,
     Impondo medo à paixão de ser viajante!

domingo, 28 de agosto de 2011

A MELANCOLIA de Lars Von Trier e do Cinema em Pernambuco.

     O tema deste texto é o filme Melancolia, porém não poderia deixar de abordar este filme sem problematizar, em breve linhas, o funcionamento do mercado cinematográfico. Por ano, cerca de dez mil filmes são feitos no mundo, contudo, apenas 2 a 3 % deste total são exibidos no Brasil. Esta problemática está diretamente ligada à política de distribuição de filmes do mercado cinematográfico.

     Após um filme estar pronto, os produtores o exibem para diversas distribuidoras como Warner, Europa Filmes, Focus Filme, Columbia Pitures, Califórnia Filmes etc.; sendo aprovado por uma das distribuidoras, elas passam a negociar com os donos dos principais cinemas de vários países, os quais irão levar em consideração uma estatística especulativa de lucratividade da exibição do mesmo. Sendo positiva, o negócio é fechado – inicia-se a propaganda – e o lucro é dividido meio a meio entre a distribuidora e os exibidores. Em síntese, a arte cinematográfica desce ao restrito patamar dos lucros e estatísticas – perdendo seu valor espontâneo de agente questionador da sociedade a partir da subjetividade da lente do cineastra em seus temas mais diversos.


Melancolia: 100% de ingressos vendidos na estreia,
ultrapassando mais de 5.000 espectadores na 4ª semana de exibição.
             Restrito a tal política, não é à toa que filmes como o do renomado diretor dinamarquês Lars Von Trier se torne invisível para as diversas salas de cinema do Brasil, mesmo quando estrelados por atores hollywoodianos como Willem Dafoe (O Anticristo) e Nicole Kidman (Dogville). Desta vez, em Melancolia, entraram em cena Kirsten Dunst (famosa pelo filme Homem-Aranha), e Kiefer Sutherland (protagonista da série 24 Horas). Mas isto não foi o suficiente para os dois grandes cinemas de Pernambuco, o Box Cinema e o UCI Ribeiro, abraçarem a nova obra de Von Trier – na verdade seu nome os assustam, dado a complexidade questionadora e existencialista dos filmes deste diretor que, infelizmente, às vezes, afasta o grande público. Dogville estreou em 2003 no UCI Ribeiro e semanas depois da estreia sua bilheteria caiu bruscamente. A pessoa de Nicole Kidman, em um dos seus mais brilhantes trabalhos, não foi o suficiente para manter uma boa lucratividade – daí em diante, ao menos em Pernambuco, mais nunca o grande público ouviu falar de Lars Von Trier. Todavia, o cinema da Fundação Joaquim Nabuco, instituto histórico-cultural vinculado ao Ministério da Educação, vinha abraçando desde 1998 a obra do diretor e, por consequência, colocou em cartaz o seu mais novo trabalho, Melancolia. O qual, para surpresa de todos, segundo Kleber Mendonça, curador do cinema da Fundação, teve em sua estreia 100% dos ingressos vendidos e ultrapassou, na 4ª semana de exibição, mais de 5.000 espectadores.

         Melancolia não é um daqueles filmes que faz do espectador um mero observador de um início, meio e fim. Von Trier transforma o espectador numa espécie de voyeur dos sentimentos da trama, ou seja, ao observarmos a película, passamos a interagir com os paradoxos existencialistas da trama, atribuindo-as a nós mesmos. E isto não só através dos diálogos, mas também, através da belíssima fotografia do filme que, em vários momentos, remete a uma plasticidade surrealista.

Surrealismo niilista: a natureza rasgando o vestido moralístico.
        No início do filme somos massacrados com a imagem da Terra sendo destruída. Simultaneamente à catástrofe, presenciamos, em câmera lenta, pessoas agindo apenas pela espontaneidade de seus inconscientes. As sequências de cenas parecem incoerentes. E de fato são (!): uma linda noiva com o seu buque desliza por sobre as águas de um rio; uma mãe corre desesperada, sem rumo, abraçando fortemente seu filho. Mas como salva-lo se a catástrofe que esta por vir é eminente? Que Razão há em seu agir? E a mesma noiva que antes deslizava por sobre o rio, também aparece correndo em direção ao nada, porém, as raízes das árvores brotam bruscamente da terra, enroscando suas mãos e pernas, impedindo-a de correr, rasgando seu vestido. É a natureza proclamando o caos, rasgando simbolicamente os valores morais da sociedade, fazendo do ser Humano novamente natureza, ou seja, tornando-o parte insignificante dos acasos da imensidão do cosmo.

     O filme é dividido em duas partes, a primeira dedica-se a Justine (Kirsten Dunst) que, diante de sua glamorosa festa de casamento, patrocinada pelo seu cunhado, John (Kiefer Sutherland), e organizada por sua irmã, Claire (Charlotte Gainsbourg), transmite ao espectador uma constante angustia que, para John, parece incompreensível, dado que ela está vivendo, naquele momento, todo o glamour que qualquer mulher desejaria para o seu casamento: com chegada em limusine, festa numa mansão, baile e ritos nobres de discursos à mesa. E visto estas circunstâncias John pergunta para Justine se ela está feliz, mas tendo implícito em sua pergunta que ela deve(!) ficar feliz. Ela responde que sim, mas na festa  demostra estar sempre cansada e de lá foge constantemente. Sua irmã, aflita em entender a indisposição de Justine, pergunta o que lhe aflige, e ela responde que possui um “cordão cinza nos pés” – é a bola de ferro da moralidade, que a aprisiona e a atormenta. E o ato de ter olhado para o céu ao chegar à festa, deixava-lhe clarividente que nada somos diante do Universo e que os valores morais são meras formalidades construídas pelo homem e transformadas, por ele mesmo, em arquétipos imanentes a se mesmo.

     O niilismo de Justine leva-a ao total fracasso de sua festa. Ela é pressionada por sua irmã a renegar sua angustia; é pressionada pelo seu chefe de trabalho, também convidado da festa, lutando para não perder sua melhor funcionária; e por seu cunhado, impondo uma felicidade arquetípica. Justine é um ser dionisíaco aprisionada em muralhas apolínias. Atormentada, renega seu emprego; ignora o lamento de sua irmã e rasga o vestido da moral ao trair seu noivo durante a festa, simplesmente pelo ato de trair e não de obter prazer, destronando a felicidade arquetípica do matrimônio. E mesmo sem ter conhecimento do ocorrido, seu noivo a abandona, pois não entende a apatia dela para com ele e para com todos os elementos de uma noite construída para ser estritamente bela – tão bela quanto a estética de Apolo.

Vênus de Lars Von Trier
     A segunda parte dedica-se a Claire que, muito antes do casamento de sua irmã, já vinha atormentada com a possibilidade do astro Melancholia se chocar com a terra, informação a qual vinha circulando em sites sensacionalistas. John, porém, é um astrônomo e afirma que o astro não se chocará com a Terra, pois os cálculos sistemáticos realizados pela comunidade científica chegaram a esta conclusão. Justine, por sua vez, está psicologicamente abalada, mas isto em nada tem a ver com o Melancholia, pelo contrário. Em uma das mais belas cenas do filme, vemos Justine à beira de um rio, com o seu corpo completamente nu, sendo iluminada pelo astro. Ela sente que o por vir é eminente e se delicia com a luz prateada do astro que faz de seu corpo nu uma Vênus entregando sua volúpia a Dionísio, assim como na mitologia grega. O Melancholia é um astro dionisíaco que está além das especulações matemáticas do homem, para compreende-lo é necessário deixar-se embriagar por ele.


John acompanhando o Melancholia à luz da Razão.
         John representa o discurso cartesiano e cientificista da trama, de tal forma que, ao perceber que os cálculos estavam “errados”, ele suicida-se, e Claire perde seu único sustentáculo de certeza de uma não colisão do astro com a Terra. Seu tormento inverte os papéis na trama. Justine, aparentemente louca, passa a ser a personagem mais consciente de toda a trama, dando apoio a Claire e seu sobrinho, Leo. Com ela, a razão e a ciência cede lugar à tragédia. Para ela, se o fenômeno é inevitável, façamos dele êxtase, pois se o homem é parte da natureza, por mais que ele a decodifique à luz da Razão, ele sempre estará sujeito a ela e aos seus acasos.

     Assim, Von Trier nos faz refletir, nesta trágica parábola, o quão insignificantes podem ser os valores morais, tanto sociais quanto cientificistas, se nos compararmos à imensidão do cosmo. O físico e astrônomo Marcelo Gleiser, em seu livro Criação Imperfeita, diferentemente do personagem John, nos mostra o quanto já foi descoberto sobre o universo e as possibilidades do que está para se descobrir, porém, afirma que nunca encontraremos uma lei que englobe todas as possibilidades, ou seja, uma lei universal. Se um renomado astrônomo faz tal afirmação, porque nós, agentes sociais, não podemos nos propor à quebra de arquétipos morais de acordo com as necessidades das circunstâncias? Ou seja, porque não aceitar a relatividade de padrões de valores, crenças e comportamentos? Isto é algo difícil para o ato de ser Humano, pois negar o a priori moral significa negar a imanência da ótica de mundo que até então lhe era vigente. E negando, abrimos um vazio que nos angustia dado as possibilidades de múltiplas óticas – e nem todos sabem lhe dar com o vazio de ser um grão de areia dentro desta multiplicidade, tanto na Terra quanto no Universo.